A análise a seguir fez-se tendo como corpus fragmentos do texto “Saiba quando é a hora do abraço”, extraído do jornal “Expresso” (RJ), publicado em 17 de junho de 2008 e tem como fundamento teórico o capítulo 12 do livro “Análise de textos de comunicação” (2004: 137-144) do lingüista francês Dominique Maingueneau.
Abraçar tem hora certa, ensina consultor de boas maneirasSaiba quando é a hora do abraçoO abraço é um gesto que demonstra afeto e carinho, mas deve ser usado nos momentos certos. O consultor de Etiqueta Fábio Arruda comenta o que é mais indicado para cada situação e ensina como evitar situações chatas.
─ Brasileiro tem mania de querer ser caloroso, mas é preciso lembrar que ninguém vai ser elegante se não for apropriado ─ diz Arruda.
Segundo o consultor, há quem ache o abraço invasivo.
─ Ao abraçar, ocorre o encontro de corpos. Muitas vezes, um beijinho é mais adequado.
Dicas para abraçar sem se envergonhar
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Em casamento
Abraçar a noiva é um absurdo. “As pessoas encostam além da conta. Esquecem que a noiva gastou um tempão fazendo penteado e maquiagem”, diz Arruda.
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Ex-namorado, ex-marido
O ex também pode causar saia-justa, ainda mais quando quer tentar uma aproximação. “Não se abraça pessoas acompanhada”, diz Arruda.
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(Expresso, RJ – terça-feira, 17 de junho de 2008)
GÊNERO TEXTUAL E ENUNCIADORA partir da leitura teórica, percebe-se que o material analisado se insere no gênero de texto jornalístico. Segundo o autor supracitado, nesse tipo de texto geralmente o ‘eu’ não aparece.
No discurso eleito como corpus, há a presença de dois enunciadores:
Enunciador 1 (Enunciação 1): jornalista – Esse não se coloca como o responsável de, por exemplo,
“─ Brasileiro tem mania...” e
“─ Ao abraçar...”, entretanto é o responsável pela enunciação 1 que afirma ter havido uma enunciação 2, i.e., ele é responsável pelo texto jornalístico no qual torna público um enunciado que, através do
Discurso Direto (DD), pode ser considerado como um discurso autêntico, proferido de fato. Esse primeiro enunciador tem como co-enunciador o leitor do jornal “Expresso”.
Enunciador 2 (Enunciação 2 mencionada no interior da situação de enunciação 1): consultor, responsável pelo ato de fala e seu co-enunciador é o jornalista que o entrevistou.
Conforme apreensão do texto teórico, na enunciação 1, o enunciador 2 (o consultor) é um referente que está numa esfera bem distinta da que ocupam os co-enunciadores (jornalista e leitor); ele não é nem o enunciador nem o co-enunciador. De acordo com Émile Benveniste (apud Maingueneau, 2004), esse referente se insere na categoria de
não- pessoa (grifo nosso): o elemento tradicionalmente denominado de terceira pessoa
O DISCURSO DIRETO COMO MODO DE DISCURSO RELATADO (CITADO)Logo no enunciado que aparece acima do título, o responsável pelo texto publicado se antecipa em evidenciar seu distanciamento em relação ao ato de fala e deixa claro quem é o responsável pela enunciação 2 (discurso citado), quando usa o modalizador
“ensina consultor”. No primeiro parágrafo, então, enfatiza a responsabilidade do enunciador 2 quando declara:
“O consultor de etiqueta Fábio Arruda comenta... e ensina”. Além de valer-se de um
aposto identificativo (Fábio Arruda), o enunciador 1 usa os verbos, indicando, através da flexão, quem profere ou realiza a ação de comentar e ensinar, pois o verbo indica a não-pessoa (Enunciação 1 = discurso citante), que no discurso citado é o enunciador 2.
As aspasNos dois últimos fragmentos –
“As pessoas...maquiagem” e
“...Não se...acompanhada” –, o enunciador 1 remete ao
DD através do uso das aspas no início e no final do enunciado citado. Desse modo, mostra que está ancorado em outra enunciação que é seu ponto de referência e não ele próprio.
Modalização em Discurso SegundoOutro modo para o enunciador indicar que não é o responsável por um enunciado é mostrar que está apoiado (ancorado) em um outro discurso. Para isso Maingueneau usa a denominação que se segue:
modalização em discurso segundo (grifo do autor). Entre a vasta categoria de
modalizadores para esse tipo de discurso, temos, no corpus, o seguinte exemplo que remete ao discurso do outro enunciador: “Segundo o consultor”.
O FENÔMENO DA POLIFONIANo texto percebe-se, ao mesmo tempo, a voz do jornalista e a do consultor. De modo que, ao ler, por exemplo,
“─ Brasileiro tem mania...”, o leitor faz duas leituras concomitantes: o enunciado jornalístico e a fala do consultor, introduzida por
travessões e aspas.
Aqui, ainda se pode mencionar o verbo utilizado pelo enunciador 1, colocado ao final do
DD, que indica haver enunciação: “diz Arruda”.
É relevante acrescentar que, segundo o teórico em questão, mesmo quando o
DD relata falas consideradas como realmente proferidas, trata-se apenas de uma
encenação (grifo do autor) que visa criar um efeito de autenticidade, ou seja, o enunciador parece dizer:
“eis as palavras exatas que foram ditas” (grifo nosso).
BREVE CONSIDERAÇÃO FINALDepreende-se do aporte teórico que as marcas textuais destacadas na análise do corpus eleito indicam a construção do texto com ênfase no distanciamento do enunciador 1 em relação ao discurso pronunciado pelo enunciador 2 (fonte de referência enunciativa e responsável pelo ato de fala). Ao mesmo tempo em que aquele, ancorado num outro discurso, evidencia o não comprometimento próprio também busca mostrar a autenticidade da enunciação 2 através do
DD.(Evanete Barboza de Lima. Para citação: Lima, Evanete Barboza de. Discurso Direto e Autenticidade da Enunciação)